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A ferramenta que tenta revelar os feminicídios na América Latina que as estatísticas oficiais não mostram.

A ferramenta que tenta revelar os feminicídios na América Latina que as estatísticas oficiais não mostram.

Pelo menos 4.855 mulheres foram vítimas de feminicídio na América Latina em 2024, o equivalente a 13 assassinatos de gênero por dia. Este é o número mais recente do último relatório anual do Mapa Latino-Americano de Femicídios , um banco de dados colaborativo liderado pela ONG MundoSur e promovido por organizações e equipes acadêmicas de 17 países latino-americanos (México, Costa Rica e República Dominicana não estão incluídos). Publicado nesta quarta-feira por ocasião da nova jornada de mobilização "Nem Uma a Menos" , o movimento feminista nascido na Argentina em 2015 para denunciar a violência sexista.

O novo relatório tornou-se uma fonte alternativa para o monitoramento de feminicídios na região, dada a ausência ou fragmentação de registros oficiais em muitos países, segundo seus idealizadores. O resultado é um mapa baseado no trabalho colaborativo de equipes na Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, Porto Rico, Uruguai e Venezuela.

Os números, coletados por meio de monitoramento da mídia e casos documentados pela sociedade civil, mostram um aumento de 4,87% em relação ao ano anterior, quando foram registrados 4.623 casos. “Isso nos permite comparar os registros oficiais do Observatório da Igualdade de Gênero da CEPAL [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe] com informações coletadas de forma independente por ONGs e equipes acadêmicas de 17 países da região”, explica Eugenia D'Angelo (42, Santa Fé), diretora de projetos e diretora da ONG MundoSur, em uma videochamada de Le Puy-en-Velay, França, onde reside atualmente. De acordo com os dados mais recentes da CEPAL, em 2023, 3.897 mulheres foram vítimas de feminicídio em 27 países e territórios da América Latina e do Caribe, um número menor do que o mostrado por este mapa, apesar de incluir dados de menos países.

Guatemala, Porto Rico e Honduras lideram a lista com as taxas mais altas, ultrapassando cinco feminicídios por 100.000 mulheres. Quase metade dos assassinatos (49%) foram cometidos por parceiros ou ex-parceiros das vítimas, 38% foram perpetrados com armas de fogo e mais da metade ocorreu dentro de casa. A idade média das vítimas era de 34 anos e 57% eram mães, o que significa que mais de 2.200 crianças ficaram órfãs de suas mães no último ano. Entre as vítimas, 110 eram mulheres migrantes ou refugiadas, destacando a necessidade de integrar uma abordagem de mobilidade humana às estratégias de proteção.

Em relação ao perfil dos agressores, 44% mantinham relação afetivo-sexual com a vítima e 10% já haviam sido denunciados por violência de gênero, evidenciando a falha sistemática dos mecanismos de prevenção.

“O escopo do monitoramento ainda está longe de ser completo porque muitos países carecem de observatórios especializados promovidos pela academia ou pela sociedade civil, ou pela extrema dificuldade de acesso a dados confiáveis”, alerta D'Angelo, que acredita que o México é o notável ausente desse mapa. Até hoje, muitos países latino-americanos ainda não fornecem informações públicas e sistemáticas sobre os feminicídios que ocorrem em seus territórios. Essa falta de dados oficiais, denuncia D'Angelo, não só revela uma alarmante negligência institucional, mas também constitui uma flagrante violação dos compromissos internacionais de direitos humanos assumidos pelos Estados, como os estabelecidos na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e na Convenção de Belém do Pará .

A gênese do mapa, lembra a diretora, remonta ao contexto da pandemia e se inspira em mapas que acompanhavam a evolução das infecções por COVID-19. “Com base nessa ferramenta, decidimos criar nosso mapa com o objetivo de abordar a negligência do Estado em relação aos feminicídios, especialmente aqueles que ocorrem em contextos estruturalmente invisíveis nas estatísticas oficiais: transfemicídios , feminicídios vicários , assassinatos de mulheres migrantes, afrodescendentes, com deficiência ou pertencentes a comunidades indígenas”, acrescenta D'Angelo.

“Ineficácia das políticas públicas”

“Onde o Estado se cala, as mulheres narram, documentam e resistem, transformando dados em memória e evidências em ferramenta de advocacy”, afirma D’Angelo. Embora reconheça que “metodologicamente é inviável estabelecer comparações absolutas entre registros oficiais e aqueles de fontes comunitárias ou não governamentais”, o Mapa Latino-Americano de Femicídios revela realidades preocupantes: em países como Colômbia e Guatemala , por exemplo, enquanto organizações relatam números alarmantes, os governos não reconhecem a urgência de implementar políticas públicas eficazes sobre o assunto.

Também é alarmante que os feminicídios tenham aumentado quase 5% em relação a 2023. "Esses números refletem a ineficácia das políticas públicas atuais para prevenir e erradicar a violência de gênero", acredita D'Angelo. Ela acrescenta: "Enquanto os discursos institucionais se multiplicam, com declarações simbólicas e gestos superficiais, ações concretas e sustentadas, com alocação orçamentária adequada e vontade política real, continuam insuficientes", referindo-se às práticas do chamado " pinkwashing " . "Os direitos das mulheres continuam sendo promessas não cumpridas", ressalta.

O NAWI , a mais recente iniciativa tecnológica do MundoSur, destaca-se nesse processo. Trata-se de uma ferramenta digital que utiliza Inteligência Artificial generativa para facilitar a análise de dados georreferenciados sobre violência na América Latina. Inicialmente treinado com dados de feminicídio sistematizados pelo mapa entre 2019 e 2024, o NAWI foi concebido a partir de uma perspectiva feminista e interseccional e busca ser uma ferramenta ágil, rigorosa e acessível para quem atua na sociedade civil. Dessa forma, explica D'Angelo, "pesquisadores, jornalistas, ativistas e formuladores de políticas públicas podem explorar informações complexas por meio de uma pergunta simples, abrir linhas de análise comparativa e desenhar intervenções mais eficazes".

EL PAÍS

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