O tijolo queimado: um acidente feliz que transformou a civilização

Há histórias na humanidade que parecem mais contos do que relatos históricos, e o surgimento do tijolo cozido é uma dessas fábulas em que o acaso e o gênio se fundem para literalmente moldar a civilização.
O tijolo cozido , esse modesto protagonista de milhões de muros e cidades, não foi fruto de um meticuloso plano de engenharia, nem do trabalho obsessivo de alquimistas em busca da fórmula perfeita: sua chegada foi fruto do acaso, de traduzir o erro, o acidente ou a circunstância fortuita em um avanço que mudaria para sempre a maneira de construir, viver e sonhar grande.
A humanidade empilhava pedras, moldava lama úmida e construía cabanas havia séculos quando o tijolo cozido surgiu. Antes disso, o adobe reinava supremo: lama, água e palha misturados e secos ao sol, uma solução tão versátil quanto frágil. Em ambientes quentes e secos, o adobe se mantinha firme; mas onde reinavam tempestades ou umidade, a promessa da eternidade se desintegrava como um castelo de areia na maré alta. O desafio era óbvio e universal: como tornar aquele simples bloco de lama mais resistente, mais durável.
O surgimento do tijolo cozido não ocorreu em uma data específica ou em um laboratório, mas sim em um ambiente rotineiro e casual. Imagine a cena: há mais de 5 mil anos, possivelmente nas planícies férteis da Mesopotâmia ou nas margens poeirentas do Nilo, grupos de pessoas trabalhavam com argila, moldavam tijolos e os deixavam secar sob o sol forte.
Um dia, por acidente ou necessidade, uma grande fogueira foi acesa perto de uma pilha de tijolos ainda úmidos. Talvez estivessem cozinhando, talvez queimando arbustos, ou talvez o fogo tenha escapado do controle devido a um vento caprichoso. O que importa é o resultado: os tijolos expostos ao calor intenso emergiram diferentes, endurecidos e resistentes, com uma textura e cor que revelavam a transformação.
Não foi um detalhe menor, nem algo que passou despercebido. Quando tentaram usar esses tijolos queimados acidentalmente para construção, seus fabricantes imediatamente perceberam que eram quase inquebráveis, não se desintegravam na chuva e podiam suportar pesos e tensões que teriam destruído um tijolo de adobe típico. Assim começou a história do tijolo cozido: de um acidente doméstico ou de uma emergência compartilhada, surgiu uma revolução na construção.
Gradualmente, o tijolo cozido começou a se tornar o material de escolha para as cidades emergentes. Seu uso se espalhou paralelamente ao crescimento de civilizações tão diversas quanto a babilônica, egípcia, indiana e chinesa. Construções como as Muralhas da Babilônia ou as casas de Mohenjo-Daro não teriam sido possíveis sem essa descoberta fortuita. Para os habitantes dessas cidades, durabilidade significava proteção contra os elementos, e a natureza repetitiva dos tijolos facilitava construções grandes e rápidas.
A fabricação não foi imediata nem fácil. Replicar o sucesso do primeiro tijolo queimado acidentalmente exigiu tempo e experimentação. Fornos tiveram que ser inventados, aprimorados e adaptados à finalidade da queima da argila. As temperaturas exatas necessárias, a seleção da argila apropriada e o tipo de combustível. Cada detalhe foi descoberto ao longo desse longo caminho em que o evento casual inicial se transforma em conhecimento coletivo.
Uma das maravilhas desta história é a sua universalidade: não era propriedade exclusiva de um povo ou de uma época. Onde quer que existisse argila e o acaso permitisse que o fogo fizesse o seu trabalho, os humanos foram capazes de descobrir a magia da cozedura de tijolos e transformar o seu ambiente. Há vestígios de tijolos cozidos na antiga Mesopotâmia, onde eram usados para construir templos e muros; no Vale do Indo, naqueles complexos urbanos com casas sofisticadas e esgotos; e também na longínqua China, onde os tijolos cozidos foram fundamentais na construção de muros e edifícios antes do grande boom do tijolo europeu, séculos depois.
No passado, quase tudo o que era construído era efêmero: o clima, a chuva ou a passagem do tempo eventualmente devolviam a obra ao pó de onde ela havia surgido. A possibilidade de construir para durar, de construir cidades e templos que sobreviveriam por séculos, mudou a percepção do tempo e da arquitetura. Tijolos cozidos possibilitaram sonhar alto: projetar edifícios altos, armazéns robustos, banhos públicos, aquedutos, palácios.
Ao longo dos séculos, os tijolos cozidos passaram por uma transformação. Surgiram tijolos vitrificados, azulejos decorativos e peças especiais para abóbadas e arcos. A Revolução Industrial os aperfeiçoou até que se tornaram quase onipresentes. Mas todos os tijolos atuais, desde aqueles usados para construir casas humildes até aqueles que fazem parte de grandes catedrais ou muros, devem sua existência àquele dia distante em que o acaso uniu o fogo e o barro em uma dança irrepetível.
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