A indignação moral como estratégia para aumentar audiências

Há bastante tempo que deixei praticamente de ver televisão. Os canais de notícias tornaram-se desagradáveis e constrangedores. Os debates substituíram a informação e os comentadores foram progressivamente ocupando o lugar dos jornalistas. Num país pequeno, com receitas publicitárias cada vez mais divididas com as redes sociais, existem demasiados canais de informação 24h a disputar uma audiência em declínio, particularmente entre os mais jovens.
Para além dos debates e dos incontáveis comentadores, a maioria dos canais de notícias partilham estilos semelhantes, como a agressividade verbal, as interrupções constantes e a falta de urbanidade em estúdio. Mas afinal, o que motiva esta transformação? Do meu ponto de vista, trata-se de uma estratégia para aumentar as audiências, conhecida como “indignação moral”. Este método já é usado há bastante tempo pelas redes sociais para aumentar o número de cliques e captar a nossa atenção. O combustível preferido das redes sociais parece estar agora também a ser utilizado pelas televisões.
A indignação moral é uma emoção poderosa que motiva as pessoas a punir aqueles que são identificados como transgressores. As redes sociais perceberam o poder atrativo desta emoção, pelo que amplificam esse tipo de conteúdo, por gerar polémica e reações intensas.
Por exemplo, basta assistir a um debate televisivo sobre a discriminação de uma minoria (estímulo). A disputa é dual: de um lado estão os defensores das vítimas e do outro, os alegados “agressores”. A discussão desencadeia indignação moral: pretende-se criar um confronto intenso, criticando, humilhando o alegado agressor. O espetáculo circense desenrola-se muitas vezes com o moderador a tomar partido das supostas vítimas. Pretende-se provocar uma emoção forte no espetador, incentivando a condenação pública dos agressores (resposta) em nome da justiça social.
Esta estratégia de instigação de ódio — uma autêntica “piromania moral” —, é muito usada nas redes sociais para se obter visualizações. As pessoas enchem as caixas de comentários com insultos que seriam incapazes de proferir cara a cara. Mas os julgamentos morais precipitados conduzem a falsas acusações e a novas vítimas.
Um caso paradigmático foi o de Nicholas Sandmann (2019). Um vídeo curto mostrou o adolescente, com um boné “MAGA” (Make America Great Again), aparentemente a confrontar um veterano indígena, Nathan Phillips. A cena gerou acusações virais de racismo e levou a ataques públicos massivos contra o jovem, já que o excerto do vídeo foi republicado em órgãos sociais de referência como o Washington Post e a CNN. No entanto, vídeos mais longos revelaram que ele não provocou o confronto.
Sandmann, inconformado, apresentou ações judiciais por difamação contra os meios de comunicação social que divulgaram a história sem rigor jornalístico. Alguns deles acabaram por fazer correções, enquanto outros fizeram acordos judiciais, sem admitir culpa publicamente.
No artigo “Moral Outrage in the Digital Age“, Molly Crockett refere que, no ambiente digital, os custos sociais de expressar indignação são reduzidos, enquanto os benefícios, como os likes e as partilhas, são altos. Contudo, isto pode levar à desumanização dos alvos e agravar os conflitos sociais.
Com o tempo, pode surgir uma “fadiga de indignação moral”, diminuindo a sua eficácia como fator motivador para ações positivas sociais, levando à indiferença: “não quero saber”, “não me afeta pessoalmente”…
A fadiga da indignação moral pode ainda gerar outra reação: a inversão de papéis, levando a que os indivíduos inicialmente apontados como agressores se apresentem com as verdadeiras vítimas de um sistema que os persegue. Isto promove uma agressividade em sentido inverso — ajudando a compreender o atual aumento de ideias radicais no polo oposto ao chamado politicamente correto —, criando um círculo vicioso de hostilidade e intolerância.
O espaço público deve ser um palco de debate civilizado. A estratégia de utilizar a indignação moral para subir as audiências ou as votações de alguns partidos políticos revela-se contraproducente. A fadiga coletiva é evidente. Os problemas não se resolvem através de discussões extremistas, com epítetos insultuosos que procuram desqualificar o interlocutor (fóbico, xenófobo, racista, etc.).
A indignação moral é uma emoção volátil e não está ancorada a uma verdadeira ética, conduzindo com frequência a um ambiente social radicalizado, violento, persecutório e sem pensamento. Só a exigência ativa do público, privilegiando canais e programas que apostam na profundidade em vez do espetáculo, poderá devolver dignidade ao debate mediático. Deste modo, é possível impedir que as televisões se tornem num novo Coliseu, onde o pensamento crítico é sacrificado em nome das audiências.
observador