Aborto - Sejamos honestos!

O aborto divide. Mas, acima e antes de tudo, é um ato anterior a todas as opiniões: desse ato resulta o fim de alguém. Esse alguém extingue-se, finda, acaba a sua vida. Chamemos a isto o que entendermos.
Certo é que, logicamente falando, se ‘um’ é condição de ‘dois’, se se eliminar ‘um’, ‘dois’ jamais existirá ou acontecerá. Se ser pequeno e dependente de outro é condição sem a qual não se pode vir a ser autónomo e independente de outro, se nunca se permitir passar da etapa de dependência, jamais se chegará à fase da autonomia.
Todos os que vivemos sobre a terra, qualquer que seja a nossa condição, dependemos, um dia, de um só: das nossas mães. A elas devemos ser-nos possível chegar a adultos. Ora, o aborto é o impedimento de que alguém possa vir a ser autónomo.
É diante deste facto óbvio que os legisladores dos Estados de Direito sempre consideraram e continuam a considerar que não pode ser um direito de alguém poder impedir alguém de vir a ser ‘grande’ só porque é pequeno.
Digamo-lo de forma clara: o aborto não é (nem jamais poderá ser, bem certo!) um direito! Nenhum Estado de direito ousou reconhecer o aborto como direito porque sabe que não o é e só por pura arbitrariedade o poderia reconhecer.
(Apesar de alguns estarem a fazer poderosos esforços, poderosamente sustentados, poderosamente suportados em financiamentos robustos, para que tal venha a ser reconhecido…).
Nos Estados de Direito, o que aconteceu foi que, por muitas razões (e, principalmente, pela falta de razões, movidos por muita pressão…), os legisladores, numa vertigem semelhante a outras vertigens da história (basta recorda a vertigem eugenística que percorreu o mundo ocidental, entre 1883 e o final da segunda Guerra Mundial), decidiram aceitar considerar que o crime do aborto é tolerável e não punível, em algumas circunstâncias.
E porque, ao aceitarem tolerar este ato, ainda que reconhecendo-o como um mau ato, os legisladores continuaram a ver-se forçados a criar condições para que essa tolerância fosse consequente, passaram a suportar, com o dinheiro do erário público, aquilo que, em abstrato, continuavam a reconhecer como um mal, mas para que ‘fechavam os olhos’.
Em suma: a legislação é clara: o aborto não é um direito, mas é um ‘não direito’ tolerado e até apoiado pelos legisladores.
Claro que, de seguida, temos de nos perguntar: então, mas, se não é um direito, porque vemos, quase diariamente, notícias que retratam como sendo extremistas ou radicais os que continuam a recordar que não o é?
É uma excelente pergunta e que nos deve remeter para o dever de continuarmos a desenvolver em nós uma ‘literacia mediática’ que saiba ler, criticamente, e de forma muito inteligente, os ‘media’ e as estratégias de ridicularização de quem ousa andar em contracorrente. [Antes de avançar, cito de cor o que afirma Chesterton: ‘Uma coisa morta vai com a corrente. Só uma coisa viva ousa ir contra a corrente…’).
Ao silêncio dos muitos bons que sabem que o aborto é um erro soma-se o poder (principalmente mediático e económico) dos que pretendem ver vencer a sua posição libertária: o aborto é entendido por esses como direito porque construíram uma narrativa dos direitos humanos que inverte o que a declaração Universal defende: à anterioridade da dignidade humana que deve ser respeitada colocaram a anterioridade da liberdade que consideram fundamento da dignidade.
Invertida esta ordem, tudo passa a estar admitido.
Mas não falamos, certamente, da mesma declaração de direitos humanos.
Voltemos, então, à nossa interrogação.
Faz parte da estratégia de manipulação da opinião pública… Basta ler, com olhos de ‘ler’, o ‘1984’ de George Orwell, para perceber como o que ali está descrito é seguido, a papel químico, por quem está a promover a campanha do ‘aborto como direito’.
Como ali se diz, há que manipular, causando, antes de mais, medo [quem ousa expor-se, publicamente, sobre este assunto?], criando subentendidos [quantas vezes, lemos um título e dizemos: ‘não está mal, mas não é bem assim’? O ‘não é bem assim’ é o ‘pé-de-cabra’ com que se vão insinuando as ideias mais profundas.], ridicularizando [quem quer ser tomado por extremista ou radical, numa sociedade em que a mediania e mediocridade foram confundidas com a deterioração do clássico ‘in medio virtus est’ – ‘no meio, está a virtude’?], até excluir, definitivamente, de modo a que, apesar de todos verem que o ‘rei vai nu’, a nudez seja tomada como belo vestir.
E, por fim, para que tudo isto seja possível, há por detrás, muito dinheiro. Muito, mesmo.
Basta o leitor fazer contas… Quanto custará um aborto? Quanto ganharam, ao longo dos tempos, as organizações que o promove? [Até este momento em que escrevo – 8 de julho de 2025 – realizaram-se, durante este ano, em todo o mundo, 23.358.510 abortos – conferir https://www.worldometers.info/. Leu bem, digníssimo/a leitor/a: mais de 23 milhões. Faça uma conta muito simples: multiplique esse valor por, a título de exemplo, 300 euros. Verá de quanto estamos a falar. Em Portugal, o aborto legalizado, desde 2007, já fez cerca de 280 mil ‘fins de vida’… Aceito ceder ao eufemismo…] Sim, o aborto tornou-se um lucrativo negócio.
E pergunte-se, bom leitor, quais as organizações que, por todo o mundo, promovem o aborto. Curiosamente, estão sempre associadas às estratégias de planeamento familiar. Como assim?
Precisamente assim…
O leitor retire daí as conclusões que entender coerentes.
E, se quiser fundamentar melhor a sua leitura, sugiro o acompanhamento da socióloga Gabriele Kuby que, durante algum tempo, também foi na corrente, mas que, após acordar para o que o aborto significava, passou a denunciar, através dos seus escritos e conferências, o que, verdadeiramente, está em causa.
Num dos seus livros já traduzidos em português, ‘a revolução sexual global’ (pp 301-303), recorda que ‘O maior agente global no campo do aborto e da desregulação da sexualidade é a International Planned Parenthood Federation (IPPF), que tem organizações subsidiárias em 180 países [acrescento que também está presente em Portugal]. No seu relatório anual de 2010, a IPPF orgulha-se de:
– ter evitado 22 milhões de gravidezes;
– ter disponibilizado 131 milhões de serviços contracetivos;
– ter prestado 25 milhões de serviços relacionados com HIV;
– ter efetuado 38 milhões de CYP (distribuição de contracetivos);
– ter distribuído 621 milhões de preservativos;
– ter prestado 80 milhões de serviços a jovens.’
E, entretanto, humanos como nós estarão, neste momento, a findar as suas vidas em nome de ideologias que os pretendem reduzir a ‘não humanos’. Por eles, e pelas mulheres que são (mas decidem deixar de ser) as suas mães, a minha enorme e sincera compaixão… Foi por eles que fundei, em 2000, uma organização que está do lado de todos e não por uns contra outros.
Não devia ser esse o nosso verdadeiro combate?
observador