Embaixador do Irão em Lisboa aconselha realismo a Trump

O embaixador iraniano em Lisboa considerou, em entrevista à Lusa, que o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, “precisa de ser mais realista do que idealista” e de “perceber que o mundo não é Hollywood, mas uma realidade”.
Majid Tafreshi lembrou que Trump, antes de ser eleito para um segundo mandato na Casa Branca, em novembro de 2024, referiu que acabaria rapidamente com a invasão russa da Ucrânia e com o conflito no Médio Oriente, mas que, passados quase 10 meses, “ainda não há quaisquer resultados”.
“Trump precisa de ser mais realista do que idealista. O que precisamos de entender é que, se se quiser autoproclamar como uma superpotência, uma superpotência tem os seus próprios critérios. O uso de força, o abuso de poder não é um privilégio para as superpotências. Especialmente do ponto de vista económico, é necessário aprender a trabalhar com todos e não ser a favor de um ou dois e ser contra os outros”, argumentou Tafreshi.
Questionado pela Lusa sobre as afirmações de Trump que dão conta de que, num dia, há condições para as diferentes partes em conflito chegarem à mesa das negociações e, noutro, recuar nessas intenções, o diplomata iraniano respondeu que tal deve ser perguntado à administração norte-americana e que, no caso do Irão, Washington não permite que Teerão seja ouvido. “Quiseram falar connosco, mas, no meio da negociação, é usada a força contra o Irão. Isso é totalmente perturbador, totalmente contra a essência da diplomacia. Quando se está a colocar na mesa a diplomacia e, atrás dela, gere-se alguma guerra, então não há mais negociação”, afirmou.
“Esse é o motivo que o Irão questiona sobre qual é a garantia que podem dar para que essas agressões não se repitam. Qual é a compensação das guerras? Foi feito um ato internacional errado contra o Irão. Então qual é a compensação? Essas perguntas devem ser respondidas em diálogo. Não estamos a viver em Hollywood. O mundo não é Hollywood”, sustentou.
Face às críticas ao posicionamento da comunidade internacional, nomeadamente do apoio da União Europeia (UE) aos Estados Unidos no caso do Irão, Tafreshi insistiu na ideia de que o uso da força “põe em perigo a paz e a segurança”.
“Mas, mais uma vez, esse tipo de políticas são sempre uma dor de cabeça e o Irão e a União Europeia estão no mesmo barco. Devemos condenar o uso de força e o uso de poder e tentar ser mais próximos juntos, o Irão como poder original e a Europa como entidade global”, sustentou.
A defesa do Hamas enquanto escolha dos palestinianosO embaixador do Irão em Lisboa defendeu que Teerão está a lutar e a apoiar movimentos como “o Hezbollah e outros” que defendem o seu próprio país, o Líbano, onde se “devia perguntar às pessoas por que eles têm representantes no parlamento”.
“O Hamas é uma entidade criada pelos povos. O povo queria-os. Mas a sociedade ocidental não os reconhece porque eles querem ser independentes. Agora eles são considerados um grupo terrorista. Eu não me importo com isso. Estou a falar sobre a lei internacional, onde há o direito de declarar que se age em autodefesa num território ocupado”, sustentou.
Tafreshi lembrou que, em 2004, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) declarou que não se pode argumentar com a autodefesa numa terra ocupada, tal como não se pode declarar uma atividade terrorista num território ocupado. “A atividade terrorista tem como objetivo produzir o medo. Mas parece que eles [Ocidente] dizem que vão perder o país. É isso a que a comunidade internacional deve responder”, acrescentou.
“Acho que o cristianismo, o judaísmo e o islamismo nunca permitiram, baseando-nos na teoria, na Bíblia ou no Corão, matar pessoas inocentes. Não encontrei nenhuma exceção aqui, de que há permissão para matar pessoas. Então, usar e abusar de religiões aqui, por causa de algumas políticas, é totalmente errado”, criticou.
Tafreshi reivindica direito do Irão ao enriquecimento de urânioJá sobre o programa nuclear iraniano, Tafreshi defende que o Irão manteve sempre uma “cooperação muito boa” com a Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), acusando, contudo, o diretor-geral da instituição, Rafael Grossi, de se ter deixado influenciar pelo Ocidente.
“Grande parte do orçamento da AIEA é dedicado ao Irão, tendo havido uma cooperação muito boa. Mas, infelizmente, o diretor-geral dessa entidade, eu não sei, ou mentiu ou, de alguma forma, foi subornado, eu não sei por quê, ou influenciado por alguns países ocidentais, como os Estados Unidos, Reino Unido, a França, a Alemanha”, entre outros, argumentou.
Segundo o embaixador iraniano em Lisboa, a AIEA lançou “um relatório muito errado” sobre o Irão, que é utilizado pelos Estados Unidos e Israel para atacar o Irão. “Como pode o Irão ignorar o direito de enriquecimento [de urânio]? Se aceitamos que não temos direito de enriquecer o urânio, isso significa que aceitamos que acreditam que somos um perigo”, considerou.
As potências regionais e IsraelParalelamente, argumentou que o Irão deve ser líder na região do Médio Oriente, ao notar que Teerão recusa usar a força, ao contrário de países, como Israel, que disse ter sido criado pela força, em 1947.
Majid Tafreshi defendeu também que o Irão “mantém boas relações” com a vizinha Síria, mesmo depois da queda do regime de Bashar al-Assad, em dezembro de 2024, e que Damasco deveria realizar um referendo para determinar os novos poderes. “As negociações continuam, mas estamos a olhar para quem vai liderar e o que esse Estado soberano deve ser. Penso que deveria haver um referendo. Mas, de qualquer forma, o Irão e o povo sírio não têm nenhum problema entre eles. Estamos a falar sobre uma nação, com quem temos uma boa relação. Muitos deles estão refugiados no Irão”, argumentou o diplomata iraniano.
Para Tafreshi, os que pretendem liderar o Médio Oriente, “os que têm a civilização, que usam o poder da lógica”, devem assumir essa responsabilidade, contrastando com os “outros” que “usam a força, bombardeiam e matam pessoas inocentes”.
“Isso não é um privilégio e não é um dom. Nós não precisamos de ser uma superpotência. Mas não há dúvida de que, se houver dois poderes regionais no Médio Oriente, definitivamente em qualquer fórmula, um deles deve ser o Irão”, sustentou.
Sobre uma eventual guerra com Israel, Tafreshi frisou que o Irão está pronto para se defender, “o que tem feito ao longo de 300 anos”, sublinhando que os 12 dias de conflito (de 13 a 24 de junho) “não foram inesperados, nem necessários”. “O Irão deve ser mais e mais poderoso na proteção do próprio país. A fórmula para a autodefesa do Irão vai ser desenvolvida. Israel foi criado, mas não existe, pela força, em 1947, quando [o atual Presidente do Estados Unidos, Donald] Trump tinha 18 meses de idade, na época, através de uma resolução”, argumentou o diplomata iraniano.
Questionado pela Lusa sobre como vê a exigência de Israel ao Líbano para desarmar o Hezbollah, movimento xiita pró-iraniano, o diplomata ironizou: “Quem é Israel? Está a falar de um criador de Gaza ou o quê?”
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