Os nomes no centro das investigações ao partido de Le Pen

Na passada segunda-feira, a Procuradoria Europeia confirmou a abertura de uma investigação a uma série de partidos europeus que pertenceram à família Identidade e Democracia, entre os quais se conta o francês União Nacional (RN na sigla em francês): os partidos são suspeitos de terem utilizado fundos europeus em doações e contratos “irregulares” a aliados políticos nos seus países de origem. Dois dias depois, a sede do partido de Marine Le Pen em Paris era alvo de buscas pelas autoridades francesas, no âmbito de uma investigação aberta no verão do ano passado. Desta vez, estava em causa o financiamento ilícito de várias campanhas eleitorais do partido da direita radical.
Jordan Bardella, presidente da RN, apressou-se a classificar a segunda investigação como “uma nova operação de assédio”. “Nunca um partido de oposição sofreu ataques tão implacáveis durante a Quinta República”, criticou, nas redes sociais. Já Marine Le Pen classificou a operação como “escandalosa” e afirmou que recolher todos os documentos sobre campanhas eleitorais “representa um problema democrático”. Afinal, esta está longe de ser a primeira vez que o partido se vê a braços com a justiça. Ainda em março deste ano, a líder foi condenada num outro caso de desvio de fundos europeus e impedida de se recandidatar a cargos públicos. Recuando ainda mais no tempo, é possível chegar a 2012, quando o partido foi acusado de fraude contra o Estado na aquisição de “kits de campanha” para as eleições legislativas desse ano.
A União Nacional não é única coisa que estas investigações têm em comum.Uma e outra vez nas investigações criminais ao financiamento do partido aparecem dois nomes: Frédéric Chatillon e Axel Loustau. As duas investigações que marcaram esta semana não são exceção e voltam a trazer à baila as “conexões GUD“. O termo é utilizado pelos media franceses para ilustrar as relações entre os políticos da direita radical e antigos membros do Grupo União e Defesa (GUD), uma organização estudantil francesa de extrema-direita fundada na década de 1960 e muito ativa em demonstrações violentas no final do século XX, que Châtillon liderou e Loustau integrou.
A ligação entre as quatro figuras tem duas vertentes: pessoal e profissional. Ao longo dos anos, a União Nacional procurou distanciar-se na vertente pessoal, uma estratégia iniciada por Marine Le Pen quando assumiu a direção do partido em 2011 e a que Jordan Bardella deu continuidade a partir de 2022 — uma tendência de normalização do partido que também se verificou noutras dimensões. Os dois líderes também procuraram pôr fim às relações profissionais, mas as repetidas investigações judiciais continuam a expor ligações — algumas mais antigas, outras mais recentes — com Chatillon, Loustau e outras muito pessoas próximas dos dois empresários.

▲ Marine Le Pen assumiu a liderança do partido em 2011
TERESA SUAREZ/EPA
A atual líder parlamentar da União Nacional herdou a presidência do partido em 2011. Menos de seis meses depois de ter chegado ao cargo, enfrentava as primeiras eleições presidenciais e pouco depois, as legislativas. Foi nesta campanha para as eleições legislativas de 2012 que o partido pagou 16.650 euros à agência de comunicação Riwal para a criação de um website, posters personalizados e panfletos — os “kits de campanha”.
Anos mais tarde, a justiça francesa entendeu que o negócio entre o partido e a Riwal tinha constituído fraude, ao considerar que o partido tinha pagado demasiado pelos materiais numa tentativa de obter mais fundos públicos, tendo em conta que o Estado reembolsa as despesas de qualquer partido que obtenha mais de 5% dos votos. O pagamento avultado à Riwal beneficiou também o seu diretor: Frédéric Chatillon.
"Tive uma amizade com o casal Chatillon. Mas já não é o caso. Falamos ao telefone de vez em quando, trabalhei com ele pela sua experiência inegável no campo das campanhas eleitorais."
Marine Le Pen sobre Chatillon em 2023
A relação entre Chatillon e Le Pen remonta à década de 1990, quando estudaram Direito juntos. A amizade só apareceu quando Chatillon se casou com uma amiga de infância de Le Pen e evoluiu para uma relação de trabalho quando a UN começou a contratar os seus serviços para gerir a comunicação das campanhas eleitorais. Em 2017, já depois de o Ministério Público ter aberto uma investigação ao caso das eleições de 2012 e de a Riwal ter sido dissolvida, Chatillon voltou a ser contratado como “coordenador técnico para imprensa e web” da campanha presidencial, segundo o Libération. O jornal assinala que os contratos de trabalho desapareceram em 2020, na altura em que foi condenado no mesmo caso.
Mas o ponto final na “amizade” só surgiu em 2023, quando Chatillon declarou a sua intenção de participar numa marcha neo-nazi em Paris. “Tive uma amizade com o casal Chatillon. Mas já não é o caso. Falamos ao telefone de vez em quando, trabalhei com ele pela sua experiência inegável no campo das campanhas eleitorais”, declarou a líder da direita radical ao Le Monde à data, adiantando ainda que “nunca fala de política” com o amigo de longa data. Se a relação com Chatillon dependia de amigos em comum, com Axel Loustau negava sequer que fosse uma amizade.
Passados dois anos, a estratégia de distanciamento continua a ser a escolha de Marine Le Pen. “Não sei o que é, ainda não olhei para o documento“, declarou, na quinta-feira, em resposta à investigação das autoridades francesas. As suas palavras são, como de costume, quase idênticas às de Bardella (ou vice-versa): “[O Ministério Público] é um órgão político que trava uma guerra de trincheiras contra a sua oposição” e que “luta comigo de manhã, à tarde e à noite, em todas as circunstâncias”.

▲ Bardella aproximou-se de Marine Le Pen através do seu trabalho com Chatillon
Hans Lucas/AFP via Getty Images
Quando a RN contratou os serviços de Frédéric Châtillon para as eleições de 2017, a sua equipa incluía um jovem de apenas 22 anos responsável por encomendar os documentos de campanha: Jordan Bardella. Em setembro desse ano, Bardella encontrou-se com Le Pen acompanhado pela namorada, Kerridwen Châtillon, filha de Frédéric, relatava em entrevista ao Observador em 2024, o biógrafo de Bardella, Piere-Stèphane Fort, que definiu o encontro como o momento em que “Marine Le Pen reparou bem nele”.
Dois anos mais tarde, Bardella passou de um lado do negócio para o outro. Quando se candidatou pela primeira vez ao Parlamento Europeu, foi esta nova agência, a e-politic, que fez toda a sua gestão de redes sociais. À data, Frédéric Châtillon detinha 30% das ações da empresa, enquanto Axel Loustau detinha 15%. Ora, a e-politic é uma das principais visadas pela investigação aberta pela Procuradoria Europeia, revelou uma investigação conjunta do jornal francês Le Monde, o programa televisivo alemão ‘Kontraste’, a revista alemã Die Zeit e o semanário austríaco Falter.
Ao todo, entre 2019 e 2024 — a duração do primeiro mandato de Bardella em Estrasburgo — os partidos que compõem o Identidade e Democracia são acusados de terem gastado 4,33 milhões de euros em doações irregulares a aliados. Um dos maiores beneficiários terá sido a e-politic, que terá recebido 1,7 milhões de euros em contratos adjudicados sem concurso público, segundo os documentos revelados pela investigação conjunta.
"Em vez de comprarmos dispositivos como faz a maior parte dos grupos, podemos utilizar os 5% de crédito [destinados a despesas do partido] em doações a associações sem fins lucrativos."
Bruno Gollnisch, antigo eurodeputado da União Nacional
Philip Claeys, eurodeputado belga que integrava esta família europeu, explicou ao jornal o aumento dos pagamentos à e-politic com a pandemia de Covid-19, em que “as redes sociais [geridas pela agência] se tornaram ainda mais importantes” e, por isso, teve de ser feito um investimento. Mas um antigo colaborador do partido em Estrasburgo argumentou que se trata de um “truque”. Bruno Gollnisch, antigo eurodeputado da RN, corroborou que o sistema existe desde 2009, muito antes de Bardella ter mergulhado na política francesa ou europeia: “Em vez de comprarmos dispositivos como faz a maior parte dos grupos, podemos utilizar os 5% de crédito [destinados a despesas do partido] em doações a associações sem fins lucrativos“.
Tal como Marine Le Pen, Bardella também procurou retratar a sua relação com Frédéric Chatillon como meramente profissional, na mesma altura da manifestação neo-nazi. “Frédéric Chatillon deixou França: vive e trabalha em Roma. Do que é que nos estão a acusar neste caso?“, questionou à data na France Inter.

▲ Frederic Chatillon foi condenado a dois anos e meio de prisão
AFP via Getty Images
Entre a amizade com Le Pen nos bancos da faculdade de Direito e o trabalho com o namorado da filha (entretanto, Kerridwen Chatillon e Jordan Bardella já não estão juntos), as relações pessoais de Frédéric Chatillon com os dois presidentes da União Nacional são claras, mesmo que se tenham esvaído.
Já as suas relações profissionais com o partido são mais questionadas. Depois da primeira colaboração com Le Pen nos “kits de campanha”, acabou acusado de fraude ao Estado e condenado, em 2020, quando já vivia em Itália, a dois anos e meio de prisão, dez dos quais seriam cumpridos em prisão domiciliária. Em 2023, depois de o tribunal de recurso ter confirmado a pena, Frédéric Chatillon vendeu as suas ações na e-politic a Paul-Alexandre Martin, seu “protegido” que, hoje, é o único dono da agência de comunicação. À data, nas declarações ao Le Monde, Marine Le Pen classificava-o apenas como “um acionista minoritário de um prestador de serviços”.
Porém, o jornal francês contraria, com ironia, que Chatillon alguma vez tenha tido um papel “minoritário” nas campanhas da RN. Para além das ações na empresa, o empresário tinha ainda outras duas fontes de rendimento. A primeira, é a empresa Unanime da sua mulher, Sighild Blanc, que também prestava serviços ao partido no Parlamento Europeu. Também a Unanime é visada na investigação da Procuradoria Europeia, por, alegadamente, ter recebido 1,4 milhões de euros — a par com a e-politic é uma das empresas que mais terá beneficiado com estes contratos “irregulares”.
A última fonte de financiamento de Chatillon fez-se através da prestação de serviços à Imprimatur. Trata-se de uma empresa de impressão que já trabalhava com a União Nacional desde a década de 1980, mas, depois de uma interrupção nos contratos no início da década de 2010, voltou a ser a principal empresa de impressão do partido em 2019, descreve o Mediapart. O momento coincide com a condenação de Chatillon na justiça francesa. No entanto, emails a que o jornal Libération teve acesso, no início de 2024, mostram que Chatillon continuou a desempenhar os mesmos serviços ao partido; desta vez, como funcionário da Imprimatur.
Questionado posteriormente sobre o tema, Bardella confirmou que Chatillon tinha colaborado nessa campanha, mas que o pagamento tinha sido feito pela empresa de impressão e não diretamente pelo partido. O presidente da RN negou ainda que o modelo se tivesse repetido nas eleições presidenciais e legislativas de 2022. Já Chatillom, questionado pelo Libération sobre esta prestação de serviços, respondeu ao email com apenas uma palavra: “Baratas“.

▲ Axel Loustau terá sido alvo de buscas esta quarta-feira, apesar de o partido dizer que o último contrato data de 2017
AFP via Getty Images
O nome de Axel Loustau é uma presença mais discreta nesta rede, tanto a nível pessoal como profissional. Se com Frédéric Chatillon Marine Le Pen só se refere a uma amizade no passado, com Axel Loustau põe-no de lado. Já Jordan Bardella, declarou, em janeiro do ano passado, que o partido não tinha qualquer contrato com ele desde 2017.
Apesar do distanciamento, a casa de Loustau terá sido alvo de buscas das autoridades francesas na passada quarta-feira, segundo avançou o Le Monde. Segundo relatou Bardella nas suas redes sociais, as buscas recolheram todos os documentos, emails e contratos relativos das eleições depois de 2021 e tinham como alvo identificar “credores habituais”, que “praticam ‘exercícios ilegais da profissão bancária'”. O relato do presidente descreve que a União Nacional se apoia em doadores individuais “por falta de um banco disposto a fazê-lo”.
O jornal francês contrapõe, ao noticiar que em causa estará uma investigação ao facto de muitos destes “doadores individuais” serem, na verdade, uma fachada para um único doador: o bilionário Pierre-Edouard Stérin. Para além de exceder os valores permitidos para doações individuais, o nome de Stérin faz soar alarmes pelo facto de também financiar um dos projetos que beneficiou dos fundos europeus desviados pelo Identidade e Democracia.
Porém, as buscas não visaram apenas a sede da RN, mas “os gabinetes das empresas [responsáveis pela gestão das campanhas] e as casas dos indivíduos que gerem as empresas“, segundo relatou o gabinete do procurador de Paris. O objetivo seria investigar também fraudes ao Estado, em tudo semelhantes, ao caso dos “kits de campanha”. Segundo relatou Libération, Loustau e a RN já terão assinado um contrato semelhante no passado.
O caso remonta a 2017 e ilustra as proximidades com Chatillon, quando ambos trabalharam na campanha eleitoral para as presidenciais desse mesmo ano — e quando ambos totalizavam 45% das ações da e-politic. O contrato de Loustau surgiu depois de um pedido do diretor de campanha da RN, que procurava uma empresa de impressão, relata o jornal, com base em emails e testemunhos de colaboradores. Em resposta ao pedido, Frédéric Chatillon enviou três orçamentos.
O mais barato — e que foi escolhido — era o da impressora Presses de France, empresa fundada por Axel Loustau em 2015. O projeto acabou por ser alterado, já depois de os 113 mil euros de orçamento terem sido pagos, o que resultou num pagamento “extra” de quase 20 mil euros, que foi, posteriormente, reembolsado pelo Estado na mesma, descreve o jornal.
observador